quarta-feira, 20 de abril de 2011

Milagre

"E no princípio a terra era disforme e vazia e o Espírito Santo se movia sobre a face das águas" (Livro do Gênisis)

Eu me arrependo de não ter feito discurso algum no dia da minha formatura, houve convites, mas eu não tive
vontade.
Acho que se tivesse que falar sobre alguma coisa, gostaria de falar a respeito de Deus, porque [ilusão ou não] eu
sinto o desenrolar das mãos dele na minha vida de uma maneira tão forte que chega até os ossos.
Às vezes a rede da rotina me pega e eu esqueço de agradecer, eu me pego reclamando de coisas pequenas, flagro a
mim mesma de um jeito amargo que eu não gostaria de estar. Mas eu sei que esse não é o meu normal, conversando com gente
da minha confiança, nós colocamos a minha ecência no lugar e tudo fica bem.
Gostaria de dizer à pessoas que já adotaram a amargura como coisa normal, gente que desanimou, que não é mais
capaz de acreditar, que Deus existe sim e que é a coisa mais gostosa dormir e acordar nos braços de um Pai que jamais
nos abandona, não importa a situação na qual nos encontremos.
Eu busco por um milagre, peço todos os dias para que eu possa ver o rosto da minha mãe, os olhos da minha irmã, o
sorriso maroto do meu irmão, o meu marido... para que eu volte a enxergar para poder apreciar a cena maravilhosa do meu
filho dormindo... mas, até hoje, esse milagre ainda não aconteceu.
Ora bolas, claro que isso me entristece.
Mas aí, eu brinco de colcha de retalhos, monto o meu milagre particular, costuro pequenas cenas que ocorreram na
minha vida que são abarrotadas de sabor: o aconchego da cama, o cheiro do meu marido, as brincadeiras sem lógica com
meus irmãos, as conversas cheias de esperança com minha mãe, os momentos de descontração com os amigos, o cheiro do
café, a comida do meu marido, o frescor da brisa no calor, a refrescância da água fria no verão, o calor e o sabor do
chocolate quente no inverno, o cotovelo anônimo que apareceu quando eu estava perdida, as extensas horas de explicações
a vulso dos meus professores e a confiança que eles depositaram em mim, a voz do meu antigo coordenador de curso dizendo
que queria mesmo que eu continuasse tentando quando eu disse que ia desistir...
É tanta coisa.
Eu me arrependo sim de ter calado, porque para eu falar de Deus, eu falo do milagre majestoso de todo o dia que o
cotidiano é capaz de oferecer.