quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Tragédias e cotocos de madeira

A cegueira é feia, não tem nada de poético, nem de belo, nada de bom que se aproveite. 
A cegueira é uma tragédia, não importa quando é que aconteça, se na atrofia das retinas do bebê
que ficou na incubadora, se no rapaz que levou um tiro, se como brinde da diabetes, se concequência da cataratas ou do
glaucoma. A cegueira é tragédia como paraplegia, como a perda de um ente querido, como prédio que desaba ou navio que
naufraga.
Porém tragédias acontecem o tempo todo e quando a maturidade chega ninguém é mais café-com-leite, os meus amigos e
parentes queridos vão se afastar, vão morrer, vão me desapontar, independente das feridas ou da profundidade das feridas
que eu carrego no peito ou das deficiências que eu levo no meu corpo.
Eu tenho que aprender a administrar a cegueira
suportando-a com todo o resto que tem de bom, para que quando as tragédias do cotidiano cheguem, eu seja capaz de me
manter de pé.
Além do que, ou adiquire-se nova capacidade de ver os milagres também oferecidos pelo cotidiano, ou a feiura vai tomar conta e, daqui
a pouco, até o que era colorido desbota e a vida perde toda graça.
É mais ou menos assim, se o navio virar, afundar e não sobrar nenhum sobrevivente além de mim, eu vou me agarrar no primeiro cotoco de
madeira que aparecer, eu não vou ligar de onde é que ele veio, vou ser grata e colocar minhas esperanças naquele pedaço
de madeira e sobreviver.
Ser grata pela sobrevivência oferecida pelo cotoco não significa que ele virou o cruzeiro dos
sonhos, muito menos que o mar não vai ter ondas, nem que a solidão, a fome, a sede e o desespero não não se dissipar.
Ser grata pelo que me ajudou a sobreviver é simplesmente usar o que me restou para continuar sobrevivendo.

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