segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A mística do suave depois

Chamo de "mística do suave depois" a atitude de saber esperar, saber adiar e saber dar às coisas seu devido tempo
e hora. O sábio faz com pessoas e coisas o que faz o hortifrutigranjeiro com mangueiras, jabuticabeiras, couves e
laranjeiras: pauta-se pelo tempo delas e não pela sua pressa ou ansiedade de faturar e vender em cima de seus frutos.
Espera que seu fruto amadureça e então dá-lhes não o preço que acha que vale, mas o preço de mercado.
Na era digital e visual, quando tudo está ao nosso alcance com três toques de teclado, quando temos na mão um
telefone celular, um Ipod, um Ipad e, quando basta pressionar alguns botões que, num toque mágico de não mais de nove
números, nos vemos em contato com uma pessoa ou com milhares de seguidores, nesta era digital é fácil esquecer que
idéias, notícias, catequeses e pessoas precisam amadurecer antes de aparecer. Hoje, qualquer noticia imatura, qualquer
fato não digerido nem analisado, qualquer pregador despreparado pode aparecer. Basta ser urgente, apertar as devidas
teclas e dar os devidos toques… A qualidade do produto oferecido não conta. Alguns nem sequer preparam o que dirão.
Enfrentam câmeras e microfones sem nem mesmo perguntar sobre o tema do dia. Mas serão ouvidos e aparecerão. Então vão lá
contando com seu charme e sua graça pessoal.
O resultado é a ansiedade do aqui-agora-já. Urgentizam a vida, urgentizam Deus, urgentizam o milagre, urgentizam
as finanças. Apressam resultados.
Compre, adquira, financie agora e pague depois… Converta-se hoje a Jesus na nossa Igreja. Deus quer você agora,
hoje. Saia daqui como dizimista e contribuinte. Dê um passo à frente e entregue-se a Jesus agora! Deixe-se tocar pelo
Espírito agora! Deus o recompensará hoje. Venha lá que hoje às 15 horas haverá milagres. Eu garanto! Tome este chá, use
quatro desses comprimidos e o resultado será imediato, emagreça em três semanas, digite, fume, beba agora. Satisfaça-se,
gratifique-se. Você merece. Por que deixar para depois o que você pode agora? Por que segurar um casamento que vai mal,
se a outra pessoa faz você feliz? Divorcie-se e parta para outra… Quem sabe de você é você. Não tenha medo de ser feliz.
Siga seu coração. Pense primeiro em você…
O discurso esta na mídia em pregações e novelas e no marketing imediatista que precisa convencer e vencer logo…
Nesta esteira, as pessoas fumam quando sentem vontade, fazem sexo quando dá vontade, bebem quando vem a urgência,
digitam 24 horas por dia, prendem-se à Internet, ao Facebook, ao Twitter com a garantia de que, se quiserem, pararão na
mesma hora. Mas não param porque seu TIC e seu TOC já virou compulsão. O drogado ou alcoólatra também, diz que para
quando quer, mas não quer nem para. Ele também garante que não está viciado e se ofende quando alguém lhe sugere
tratamento. O certo é que a pessoa caiu na armadilha do "agora". Aquele momento precisa ser preenchido. No caso do agora
da comunicação há seguidores do lado de lá desesperados por fatos novos, ou há um emissor do lado de cá desesperado por
alimentar seu novo Pokémon que, se não for alimento morre? Não querem deixar seus seguidores sem mensagem ou conseguem
adiar sua necessidade de ser vistos e ouvidos?
Os livros de Bauman, Buber, Marcuse e Baudrillard não são de agradável leitura. Eles vão ao cerne da ação humana
quando analisam Eros e gratificação. Vale o que estou querendo neste momento. Se vai me prender ou criar em mim um
processo de dependência não importa. O que sei é que agora tenho um celular, um instrumento e uma chance e não vou adiar
nada. A frase de Paulo Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém, fica engavetada no livro. Não os atinge. Melhor
dizendo, não nos atinge porque todos temos nossas manias, nossos defeitos, nossos apegos e coisas ou atos que não
aceitamos abandonar ou adiar porque precisamos deles.
Não pense nos outros como vitimas do agora ou depois histérico. Pense em si mesmo. Poucas pessoas vivem um agora e
um depois sereno e sem ansiedade. Nossa era que é a do aqui-agora-já está cheia de imperativos e de ansiedade. Sem o
cigarro, a bebida, o sexo de cada dia ou momento, sem o clic e o toc toc toc de um teclado a pessoa se sente sem ter o
que fazer. Poderia ler um livro como fazia há anos atrás mas agora precisa entrar em contato com alguém que responderá…
Responderá é a palavra chave… Tudo é fruto da pressa em colher vitórias e resultados sem esperar que o fruto
amadureça. Acreditam mais na sua pressa do que no tempo do fruto. Acham que podem apressar o rio, o fruto e os
acontecimentos. Tolo é quem poderia e não faz. Tolo é quem podendo chegar a milhões não o faz. Alguns até conseguem o
sucesso desejado com seu imediatismo. Ficam famosos e ricos em dois anos, mas sua vida se torna artificial e cheia de
artifícios porque, de tanto fazer acontecer esquecem, eles mesmos, de acontecer como pessoa que amadurece aos poucos. A
notícia sobre eles acontece, sua
fome ou sede é saciada com aquele sabor; seu sucesso artificializado acontece, mas, depois, se vê que foi fruto
apressado. Dura menos do que o fruto natural que amadureceu no pé ou em lugar adequado.
Há uma mística do agora suave e do depois suave. E há uma urgência do agora histérico e do depois preguiçoso ou
histérico. Se você não a viu é porque não prestou atenção nos templos, na mídia e nas mensagens que entram em sua casa.
Estão cheios de agora, já , urgente, tem que ser neste exato momento. É a triste história dos toxicômanos repetida na
mídia e no púlpito. Aquele momento, aquela digitação, aquele cigarro, aquela sensação não pode ser adiada. Tem que ser
agora…
A vida na base do tem que ser agora, é fruto de altas expectativas de resultado e de sucesso imediato ou o mais
breve possível. Se ele não vem ou começa a diminuir parece que falta o ar à pessoa que o procura. Esperneia, digita
mais, aparece mais na mídia e faz de tudo para não perder a preeminência. Entra em parafuso. Não admira que tantos
cantores e artistas e até pregadores se afundem na droga ou na depressão. A comunicação fruto de altas expectativas faz
com o comunicador o que o gol que não sai faz com a torcida que foi lá ver o time vencer. Alguns saem rindo e a dizer
que dessa vez não deu. Outros
saem quebrando tudo, acusando o juiz . E foi apenas uma bola que não entrou.Mas vencer era tudo naquela hora! Ver um bom
jogo não fazia parte do plano. Na cabeça da pessoa a vitória era tudo. Era 8 ou 80, tudo ou nada. E dá no que dá. Se não
sai como quero eu quebro, acabo com quem me ousa questionar porque tenho poder e mostro que sei o que quero. Só não
consigo esconder minha frustração porque esperei demais de mim, do meu produto e do meu sucesso. Acabo
achando um culpado que nunca será eu,. Culparei o time, a gravadora, a editora, a ordem, a igreja ou a estação de rádio
ou de televisão e os organizadores do show porque veio tão pouca gente e meu trabalha vendeu tão pouco.
Vejo isso todos os dias. Ânsia de vencer, de vender, de acontecer e de atingir relevância. Se já passei por isso?
Já. Nos começos esperava muito de minhas canções e livros. Tive bons conselheiros. Parei de contabilizar e de verificar
quantos vendi, quantos leram e onde se cantava meus cantos. Soltei-os como se solta um pássaro canoro. Nunca mais me
preocupei com os chamados "retornos". A editora sabia se valia a pena reeditar ou tirar a obra de circulação. Se não
vendeu não foi por falta de exposição. Deve ser porque não agradou a muitos que não divulgaram a muitos. Com algumas
canções das quais eu gostava nada aconteceu. Com outras que eu jamais imaginava que o povo as quisesse aconteceu o
ouvido a ouvido e, para minha surpresa, o livro, a canção a mensagem foi adiante sozinha sem que eu a divulgasse.
Entendi que há uma dinâmica no marketing que escapa ao marketeiro e ao autor. Em algumas regiões o mais famoso cantor do
momento não reúne mais de mil pessoas e o menos conhecido junta vinte mil. O povo nem sempre responde à canção ou ao
marketing. Ninguém domina o capta todo o humor do ouvinte ou telespectador. Dá-se o mesmo na religião. Às vezes quem
teria mais a dizer não acontece e quem tem quase nada porque não lê e não estuda está na crista da onda. É um fenômeno a
ser resolvido pela autoridade da Igreja. É este tipo de pregador e de mensagem que eles querem dando catequese para a
multidão? Então, por que permitem que ele fale duas horas por dia e não levam o outro que tem conteúdo a ocupar o posto
naquele microfone? Não têm poder e jurisdição para isso? Podem ou não incentivar o proibir o pregador imediatista que é
bom de marketing e parco de conteúdo? Vale a pena segurar aquela gente com este tipo de doutrina e com este tipo de
pregador que aparece, mas não repercute a doutrina de sua igreja? Que seleciona a mensagem que lhe interessa? Que só dá
o chantili e o caldinho e nega o conteúdo sólido do bolo e da sopa da igreja? A mística do suave depois ajudaria a
catequese muito mais do que imaginamos. Os apressados teriam que esperar, os lentos demais teriam que se apressar e os
de pouco conteúdo teriam que buscá-lo porque ler eles sabem… Os pouco críticos e sem critério teriam que aprender a
crítica sadia e os críticos demais deveriam aprender a moderar seus comentários. Mas se autoridades da Igreja pedissem
eles deveriam falar. São assuntos a serem debatidos, porque muitos que o fazem sabem explicar porque o fazem. Devem ser
ouvidos. Quem discorda, também. Que se fale do tema, porque entramos na era da competição. Há espaço para todos, mas
alguns se movem tão depressa que atropelam dioceses inteiras. Há que se falar. Como está não faz sentido. Virou
comunicação predatória e ansiosa!

Autor: Padre Zezinho SCJ
Fonte: www.padrezezinhoscj.com

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